quinta-feira, 20 de novembro de 2008

O "Xargo" televisivo

O "Xargo" televisivo  

 A pesca tinha terminado uma hora depois de o sol nascer e afastasse a entediante e malfadada Lua cheia ainda de barriga de poucos quartos...Neófita para os amantes, iluminada para os poetas, clarividente para Galileu, para nós soturnos pescadores do mundo das trevas é a face de um rosto reflectido que afasta do mundo da água os peixes que procuramos em noites sem dormir. Subíamos o monte depois da procura infernal dos "Xargos" gigantes de mais de três kg que tinham abeirado a costa...Ao longe nas brumas que se elevavam no céu, as ilhas Cies eram colossos corcovados dormindo , enquanto um pequeno coelho subia a vereda saltitando por entre a urze e giesta daquelas fragas que sucumbiam abruptamente num mar majestoso e cromático de um azul eterno e raiado de esteiras de espuma depois de uma difícil digestão algures pelo atlântico central... Enquanto subia, percebia que era impossível domar aqueles gigantes naquelas condições duras e pedregosas tentando-os desalojar das suas cavernas pescando há chumbadinha com flúor 0,45... O único exemplar foi domado pela sua inadvertida, esfusiante e intrépida coragem de assomar à superfície e levitar numa bóia que totalmente dobrava uma cana de 6 metros enquanto o seu dono levantava os braços no ar e dizia;"" Esta é a melhor pesca do mundoooo""!!!E o eco ressoava pelas montanhas e desfiladeiros como um trovão que estalava o céu e o rasgava em pedaços e nos fazia parecer os donos do mundo...A pesca é uma paixão e estes momentos são puro prazer de conquista de uns Himalaias que inconscientemente tentamos em vão um dia escalar o pico mais alto do mundo. Estas são as nossas conquistas e este é o nosso mundo. Que me cega, mudo fico e o apetite perco e absorto me mantenho enquanto o rosto da minha esposa, filha de pescadores ,me observa e se interroga..António!!'' Onde estás agora, não me estás a ouvir???Não, não, minha querida esposa, a maior parte das vezes ao longo do tempo, ao longo da vida não estou...Desculpa-me... Tiendes Xargos??? Como? mas que raio...Ali estava ele no cimo do monte esperando-nos. Trazia um colete verde de caça, acolchoado que servia de adorno simplesmente. Não era, nem tinha tipo de ser um pescador ou alguém da guarda civil. O seu rosto era amigável, meia-idade, um pouco calvo, mas os seus olhos emanavam simpatia, pelo que no silêncio entrecortado pelas palavras dos meus companheiros decidi avançar...Sim, temos um...muito difíceis..porquê ? Porra!!, Até que enfim! Posso vê-lo?(os meus leitores que me perdoem , não sei escrever espanhol e recuso-me peremptoriamente a falar ou escrever em portugalhol) Muito bom, Muito Bom! Pena não estar vivo....Interroguei-me se não seria algum docente universitário tipo Quercus procurando espécimes para algum oceanário e indaguei o meu inquisidor. -Mas para que o querias vivo? ? Viveu o tempo suficiente até ser velho. Eles renovam-se e nós não...Deixamos cá tudo , deixaremos de existir um dia e eles continuarão a viver, crescendo e alimentando-se em cavernas inacessíveis aos predadores , as redes, ás bombas , até ao fim do planeta Terra..-Há me desculpem! Ainda não me apresentei! Chamo-me Pablo Escobar(nome fictício) e sou repórter da cadeia de televisão....( por motivos óbvios não posso dizer o nome ) e estamos fazendo uma reportagem sobre a pesca dos xargos nesta zona da Galiza.Acompanha-me este nosso pescador local , mas como não apanha sargos(riso geral) tenho de terminar o trabalho senão ..cunho!Estamos f...; - Bem..pergunto se não me podem emprestar o vosso xargo morto!!Faria uns truques aqui, faria umas montagens ali!!Até ele parecendo vivo, que achas Somoza??(nome fictício ) Sim, acho bem! Diz o pescador local enquanto já montava a cana e carreto e desciam ambos a vereda por onde subimos de câmara ao hombro e com o nosso xargo subindo ao palco e luzes desta peça teatral enquanto gesticulava na ponta do anzol e o pescador recolhia a linha e comentava sofregamente depois de uma luta titânica...dizendo...E são assim os xargos da Galicia...fenomenais...Abana!!! Abana o peixe!!! Somoza!!! Assim mesmo, isso!!O enquadramento estava fantástico .Deve ter feito um bom trabalho, o nosso repórter.. Agradeceu-nos, prometendo que depois de instalados em Portugal, seriamos convidados a uma reportagem sobre os nossos pesqueiros, tipo de pesca , espécimes etc.. O sargo esse, saiu de cena . Esquecido na mala de um carro de regresso a casa, perdeu todo o seu vigor e magnificência, e acabou os seus dias de uma reforma dourada, preferindo morrer como actor de um dia, do que figurante de toda uma vida, numa grelha aquecida sob um braseiro que estalava da gordura reluzente do seu dorso , enquanto a sua alma subia ao céu num novelo de fumo que rumava ao norte nesse dia a caminho da sua terra , do seu santuário... Texto gentilmente cedido por António Simões

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